A primeira pergunta é quase obrigatória: O que levou a intérprete de séries cômicas como Parks and recreation e The office a entrar na indústria do pornô caseiro? “Para mim, o cinema mainstream e o para adultos possuem muitas semelhanças”, responde Rashida. “Para começar, as duas indústrias se encarregaram de perpetuar certos padrões de beleza que não tem nada a ver com a realidade. Tanto Hollywood quanto o pornô marcam a maneira como nos comportamos. No caso concreto do pornô, há um impacto tremendo em como realizamos nossas práticas sexuais”, alerta. “O problema é que as pessoas não querem falar de seus hábitos pornográficos”.
“A hiper sexualização da sociedade criou um personagem como Trump”
Rashida, que aparece nos créditos de Hot girls wanted: turned on como produtora, não é apenas um nome que a Netflix está usando para atrair público para o documentário; já em 2013, ela tinha assinado um artigo no qual alertava para a “pornificação” da música e, por extensão, da cultura pop. Em 2017, com um Presidente dos Estados Unidos que fala de “agarrar as mulheres pela boceta”, Rashida acha que essa “pornificação” também se instalou na esfera política. “A hipersexualização de nossa sociedade é o que criou um personagem como Donald Trump”, assegura. “Estou acostumada aos palavrões, porque meus pais xingam como se fossem caminhoneiros, mas no caso de Trump estamos falando de alguém que fetichiza as mulheres com sua linguagem; está normalizando que nos utilizem como objetos”, defende a atriz. “Não acho que Trump tenha se relacionado realmente com mulheres, não me deu nenhuma razão para acreditar que entende como é uma mulher de verdade”, acrescenta.
A partir dessa perspectiva abertamente feminista, Rashida foi atraída por Hot girls wanted: turned on desde o momento em que suas diretoras, Jill Bauer e Ronna Gradus, apresentaram o primeiro teaser. “Pareceu uma abordagem ao pornô muito sincera e pessoal”, conta. “Hot girls wanted: turned on não é um filme de exploração, é mais uma reportagem com traços intimistas”. A série-documentário, que narra as experiências de três garotas jovens que estão entrando na indústria pornográfica, respondia a muitas das inquietudes de Jones. “A sexualidade feminina e como é utilizada, exatamente, para nos sexualizar, é algo que me interessa muito; mas Hot girls wanted: turned on vai além; é um filme que fala sobre as expectativas que possuem as jovens norte-americanas e como essas expectativas se traduzem nas decisões que tomam”.
Hot girls wanted: turned on, lembra Rashida, não vem para demonizar o pornô, nem seus consumidores. “O que vejo como um problema é que certo tipo de vídeo esteja sendo consumido por crianças pequenas”, acrescenta. “As crianças entram na Internet e, nem precisam estar em um site pornográfico, já são bombardeados com anúncios do tipo teen abuse, com imagens bastante gráficas. Há toda uma geração que está descobrindo o sexo pela primeira vez através do pornô ultraviolento”, afirma Rashida. “Eu me preocupo que, quando a concepção do que significa ‘sexo’ ainda não foi assimilada, alguém descubra um vídeo de abuso facial”, diz, sobre um subgênero com o qual o filme, em uma das cenas, muda do gênero documentário para cinema de terror. “Há uma desconexão absoluta entre como atuam as garotas nos vídeos e como se sentem por dentro”. Hot girls wanted: turned on é, de forma crua, uma crônica dessa desconexão.
“Há uma desconexão absoluta entre como atuam as garotas no pornô e como se sentem”
Quando percebo, só temos mais um minuto de entrevista; temo que não vou ter tempo de perguntar a Jones se ouviu falar de pornô feminista. Para minha surpresa, quando gasto meu último cartucho perguntando por que acha importante que cada vez haja mais mulheres produzindo e dirigindo seus próprios filmes, Rashida começa a falar sobre Erika Lust. “Seu trabalho tem propósitos feministas claríssimos”, fala sobre a pornógrafa sueca residente em Barcelona. “Erika, vendo que o pornô existente não a representava, decidiu criar um erotismo artístico que refletisse os verdadeiros desejos sexuais das mulheres. Isso vai contra esse pornô violento que só quer representar fantasias masculinas; cria um equilíbrio na balança”, expõe Rashida. “Uma das chaves para que o cinema de Lust faça tanto sucesso é que sua equipe é formada integralmente por garotas”, conclui a atriz. “Sejam convencionais ou pornográficas, se queremos fazer filmes para realmente mostrar nosso ponto de vista, devemos ter mulheres atrás das câmeras. Nós é que devemos escolher onde colocar a tensão”.
VICTOR PARKAS
El Pais
Texto reprodução e adaptação por Val F Allstarpixel
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